O dia em que a blogosfera tupiniquim se vendeu ao Teleton

Era uma vez uma emissora de televisão que fazia caridade com o dinheiro dos outros e, depois, descontava esse valor de seu imposto de renda...

Em 6 de Novembro, presenciamos mais um daqueles típicos eventos televisivos que param o país: mais uma edição do Teleton, evento beneficente comandado pelo apresentador Sílvio Santos com o objetivo de ajudar a AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente. Um diferencial desta edição é que o evento trouxe muitas figuras conhecidas da Internet brasileira.

Em uma bancada especial, devidamente equipada com computadores ostentando o logotipo da Microsoft atrás de seus monitores, várias figuras conhecidas da blogosfera nacional - como Jonny Ken, criador do migre.me, João Motta, o garoto por trás do Web Dicas e a dupla Azagal e Alottoni, os criadores do Jovem Nerd - blogavam, tuitavam e faziam videochats ao vivo com o único objetivo de angariar fundos para a campanha, os quais seriam destinados à construção de mais unidades da AACD. Não apenas no programa, mas no Twitter, o famoso Interney fez uma campanha para que os internautas retuitassem um post seu para que ele doasse uma determinada quantia dependendo do número de cliques e, além disso, a tuitosfera se mobilizou para que o bilionário Eike Batista fizesse uma generosa doação.

É de me espantar que essas pessoas representantes da blogosfera, que geralmente estão associadas a uma opinião independente, contrária, imparcial e isenta daquela proferida pelos meios de comunicação em massa tenham se vendido desta forma para esse evento que, de solidário, nada tem.

À primeira vista, é visto como nobre o fato do dono da agora terceira maior rede de televisão do país ceder dois dias de sua programação para a exibição de um programa beneficente, mas o que ninguém se pergunta é: tal gesto é realmente necessário? Claro que não! Em primeiro lugar, o que muitas pessoas não sabem é que a tal meta de 20 milhões de reais que eles demoraram dois dias para atingir às custas do povo é obtida pela emissora em uns dez minutos de intervalos comerciais. É sabido que o concorrente do Teleton - o Criança Esperança, exibido pela Rede Globo - exibe propagandas nos intervalos de seus shows. Um intervalo desses é mais do que suficiente para que a meta a ser atingida para a entidade social entre nos cofres da emissora.

Aí você pode me dizer: "Tudo bem, mas o Teleton não tem intervalos comerciais". Bem, mesmo que desconsideremos os lucros obtidos pelo SBT em sua programação do dia anterior ou seguinte à atração, cabe lembrar duas coisas: primeiro, as ligações para o zero quinhentos da emissora NÃO são gratuitas; eles próprios avisam na tela de que são cobrados alguns centavos por ligação de fixo ou de celular, ou seja, no final, quem tem um pequeno lucro com toda essa história é a operadora de telefonia que recolhe para si essas moedas - e não me espantaria nada saber que o SBT também recebe uma pequena fatia desse custo por ligação.

O segundo ponto é que, caso você nunca tenha percebido, em todos os anos, quando o programa está próximo do fim e ainda falta muito para a meta ser atingida, sempre entra em cena a "turma do cheque", assim referenciada pelo próprio Sílvio. São os salvadores da pátria, que completam o necessário para que a quantia estipulada seja atingida. Ora, se isso acontece todos os anos, será que não seria possível - e muito mais fácil - que Sílvio Santos conversasse com alguns empresários e, secreta ou discretamente, eles levantassem a quantia necessária para cobrir as necessidades da AACD? Certamente que sim! Mas, então, por que eles não fazem isso?

Por um motivo muito simples: IBOPE. Embora todos saibamos que é plenamente possível que uma meia dúzia de eugenistas preencha alguns cheques para levantar os 20 milhões, é muito mais vantajoso para o Sílvio que ele ceda espaço em sua programação pois, assim, enquanto ele arrecada o dinheiro às custas do povo, sua emissora obtém audiência e fica com uma boa imagem, o que fará com que os espectadores queiram assisti-la no futuro. Mesma coisa no caso de Eike Batista: ele fez a doação porque ele viu que o pessoal do Twitter estava pedindo e é um cara legal ou porque ele poderá abater aquele milhão de seu imposto de renda e ainda posar de mocinho, apesar de muitas fontes dizerem que ele construiu sua fortuna de formas, como direi, não muito éticas?

Ora, só um idiota não consegue perceber que um megaevento como esse é algo totalmente desnecessário. Debalde a AACD ser uma instituição que cuida de crianças deficientes, quantas outras instituições que fazem a mesma coisa não tem oportunidade de receber recursos como esses? Qual a diferença entre ajudar a AACD, que é uma instituição grande e com recursos, e uma associação ou entidade local de seu bairro ou cidade?

O show contracenado pelo trio Hebe, Celso Portiolli e Sílvio Santos foi outro ponto não apenas ridículo, mas constrangedor. Além do fato de Celso ter confundido Alottoni com Azagal, o improviso dele e de Hebe no palco, bem como os comentários desta com Sílvio fazem qualquer pessoa com juízo desligarem a televisão de vergonha. O que ninguém percebe aqui é que tudo isso é um jogo psicológico embasado nas teorias behavioristas de Skinner: eles usam o concento de punição e recompensa: se a meta for atingida, o espectador será recompensado por ter feito um bem maior e, para isso, vale tudo, até contar aquelas histórias emocionantes proferidas por Sílvio que, caso não saibam, foi vendedor. Ao emocionar o espectador, desperta-se nele um sentimento de culpa por não poder fazer sua parte, gerando uma ansiedade e força-se a vontade de fazer a doação para supri-la.

E, finalmente, voltando aos blogueiros. Eles foram usados pelos SBT para fazer marketing para a causa das doações. A ideia é simples: eles ajudam a angariar fundos através de seus blogs ou Twitters e, em troca, recebem mais destaque, fama e visitação. Alguém por acaso conseguiu prestar atenção nos nomes e endereços de todos os blogueiros que estavam na bancada? Ora, se a quantidade de visitas dos sites deles aumentar, certamente será apenas durante o evento ou alguns dias após: será um pico perene, condicionado - e as visitações voltarão ao normal assim que as pessoas tenham se esquecido do Teleton e se voltado ao próximo assunto.

Assim, mesmo parecendo frio e insensível, eu me orgulho de não ter doado um centavo sequer para o Teleton. Não apenas porque meu celular estava sem créditos (rsrs) mas principalmente porque, desta forma, estou mostrando que, ao contrário da blogosfera tupiniquim, tenho opinião e não sou alienado.

PS: Falando nisso, estou começando uma campanha de doações para a aquisição de um computador novo. Você pode fazer sua doação em minha conta PagSeguro. A meta a ser atingida é R$ 2 mil. Vamos ajudar!