terça-feira, 26 de abril de 2011

Record vs. Gamers

Enquanto você comia os ovinhos que o Coelho da Páscoa deixou para você nesse último final de semana, uma grande batalha épica envolvendo os fãs de jogos eletrônicos e a Rede Record no Twitter. O motivo: uma matéria exibida pela emissora e uma possível censura da mesma a uma hashtag na rede de microblogging. Se você nem sabe do que estou falando, continue lendo.



Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não sou gamer e isso por dois motivos principais: meu pc foi fabricado em 2003 e sua placa de vídeo da SiS me impede de rodar qualquer jogo bom, mesmo o mais simples, mas como usuário de Linux eu sou a favor de tudo que diga respeito à Liberdade e, portanto, apóio a causa.


Para quem passou o feriado na casa dos parentes e ficou longe da internet, cabe uma explicação: lá por Sexta ou Sábado, a Rede Record começou a veicular, em sua programação, uma chamada para a reportagem especial do Domingo Espetacular onde associava os games violentos ao massacre de Realengo e dizia que os mesmos são uma ameaça. O anúncio imediatamente provocou a ira dos gamers que, em poucos minutos, colocaram em primeiro lugar, no Twitter, a hashtag #gamerscontrar7. A princípio, fiquei um pouco receoso, afinal, eles estavam reclamando de algo que ainda não haviam visto, mas vídeos no YouTube começaram a pipocar, como este do @fabriciofalco e muitos outros. Isto foi no Sábado.


Para o Domingo, esperávamos que a HT #gamerscontrar7 ficasse o tempo todo em primeiro lugar, mas não foi isso o que aconteceu: misteriosamente, por mais que mensagens em massa fossem enviadas com essa tag, ela não aparecia nos trending topics. Um amigo mostrou-me um site (o qual não vou me lembrar o nome agora) que mostrava um gráfico de quantidade de mensagens com determinada hashtag em determinado período e eu comprovei: a quantidade de mensagens com a tag #gamerscontrar7 era absurdamente maior do que as com a tag Rodrigo Faro, que estava em último lugar. Não bastasse esse fato estranho, os trending topics do Brasil mostravam duas hashtags, Buona Pasqua e Felices Pascua, que praticamente não tinham nenhum post de brasileiros ou em Português - logo, como eles poderiam estar nos TTBR? Os gamers, então, começaram a dizer que a Record deve ter entrado em contato com o Twitter e pedido para que essa hashtag, assim como #calabocarecord , fossem censuradas. A explicação é plausível, visto que o serviço de microblogging já fez isso antes mas, como não temos provas, não podemos afirmar com certeza. Do que adianta um blogue como esse falar em liberdade e em software livre se, quando mais se precisa dessa liberdade, supostamente vem um bispo cheio da grana e cala nossa voz? Revoltante. Isso, pra mim, já seria motivo para que fizéssemos um encerramento em massa de nossas contas no Twitter, mas eu sei que ninguém vai apoiar esta ideia.


A reportagem, em si, foi um desastre completo. Até a reportagem sobre maus tratos com animais teve uma duração maior do que a reportagem especial da semana. O mesmo Fabrício Falco que publicou seu manifesto inicial no YouTube publicou este outro vídeoonde analisa a reportagem - se é que podemos chamar de reportagem.


Mesmo antes de assistir à dita cuja, eu tinha certeza absoluta de que eles iam falar do caso daquele estudante de medicina que atirou contra pessoas em um cinema a mais de dez anos atrás. Batata. Mas o mais revoltante é que a matéria mostra claramente que, além de eles não entenderem nada de jogos eletrônicos, estão totalmente defasados no assunto: eles mostraram cenas do Duke Nukem 3D, lançado em 1996, dizendo que o jogo mostrava um "jovem" que saia matando todo mundo. Duke Nukem pode ser qualquer coisa, menos jovem! Além disso, eles mostraram uns dois casos isolados de jovens que tiveram problemas com jogos e uma psicóloga, totalmente alienada, que corroborou com as opiniões da emissora.


Agora vem o pior: segundo eles, jogos incentivam a violência. A novela Ribeirão do Tempo, exibida pela Record, iniciou com uma classificação etária Livre e, hoje, é imprópria para menores de 14 anos. Os jogos são violentos? Os Mutantes, da mesma emissora, mostravam cenas altamente violentas e chocantes, algumas até envolvendo crianças e adolescentes. Os jogos são violentos? A novela Rebeldes, exibida pela emissora, prega a desobediência dos jovens ante os pais e a sociedade. Os jogos são violentos? Todos os dias, a Record exibe episódios de CSI: Las Vegas e, em dois outros dias, de CSI: Miami e de CSI: NY. Essa série - que é excelente, diga-se de passagem -, em todos os episódios exibe no mínimo um assassinato, sem falar nos cadáveres que são mostrados abertos e nos efeitos especiais que mostram as entranhas do corpo humano. Os jogos são violentos? Diariamente, ao meio dia, as emissoras locais da Record exibem o noticiário Balanço Geral, que mostra apenas reportagens sobre assaltos, assassinatos, bondes, quadrilhas e crimes na região, de forma sensacionalista. Os jogos são violentos? No dia anterior à veiculação da matéria, no programa Legendários, o apresentador Marcos Mion exibiu um vídeo onde mostra mulheres quebrando talheres com a força das nádegas e um japonês descascando uma banana com essa parte do corpo. Os jogos são violentos? A Bíblia, que é o livro sagrado e considerado a palavra de Deus pelo presidente da emissora, possui várias cenas de homicídio, incesto, mutilação, matricídio, genocídio, estupro, entre outras e a Igreja Universal quer que todos os seus fiéis, de todas as idades, incluindo crianças, leiam este livro. Cabe a mim perguntar: OS JOGOS SÃO VIOLENTOS???!!!


Além da censura e da parcialidade da emissora, revolta-me também o "lavar as mãos" dos "grandes nomes" da blogosfera nacional. O único site que apoiou a causa foi o Jogo Justo que, convenhamos, não tem uma grande expressividade (o EL retuitou uma mensagem minha, antes que reclamem). Grandes nomes, como Jovem Nerd, Não Salvo, Jacaré Banguela, Meio Bit e Cardoso fingiram que nada estava acontecendo. É claro: na hora de invadir o site do Santos ou fazer bullying com pessoas na Internet, todo mundo vai atrás do Não Salvo e companhia mas, na hora de eles nos ajudarem, cadê?


Se os jogos fossem realmente violentos a ponto de mudar a personalidade do usuário, uma universidade estadunidense não teria incluído o jogo Portal 2 como referência em uma matéria e nem uma pesquisa da Universidade da Carolina do Leste teria concluído que eles auxiliam no combate à depressão e nem um outro estudo do governo australiano teria chegado à conclusão de que jogos não tornam as pessoas violentas, ao contrário do que prega a emissora de Edir Macedo mas, é claro, todas essas fontes e referências foram solenemente ignoradas pela equipe de reportagem, que só mostrou dois casos e a opinião de apenas uma psicóloga.


Prefiro mil vezes que um jovem faça um racha em um Need for Speed do que na vida real, afinal, no jogo, ele não se machuca. Como disseram no Twitter, o maior papel educativo de um game é ensinar ao jogador a diferença entre realidade e ficção. Mas esta é a cara do povo brasileiro. O pior é que eu sei que a maioria das pessoas que assiste Domingo Espetacular é tão alienada quanto os crentes da Igreja Universal e, agora, o estrago está feito: a maioria, graças à censura, nem sabia da causa e vai continuar achando que jogos são "uma armadilha de Satanás". Fazer o quê? Para eles, é melhor que continuemos ouvindo os cds do Restart e assistindo às suas novelas.


Brasil: um país de tolos.

2 comentários:

  1. Os jogos incentivam aqueles que querem ser incentivados. Pense num sentido amplo, falo de violência, inteligência-aprendizagem, relacionamento e outros.

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  2. Os jogos incentivam várias coisas. Geralmente quem utiliza a desculpa dos jogos para a violência já tem uma pré-disposição à violência.

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