terça-feira, 26 de outubro de 2010

Por que o Mac OS X é ilegal

O sistema operacional da Apple desperta paixões e ódios nos aficionados por informática. Tido como elegante e fácil de usar, considerado o estado da arte ou a perfeição em forma de software pelos seus fãs, que o defendem com unhas e dentes, também é visto como um sistema que, além de restringir a liberdade do usuário, aproveita-se do trabalho da comunidade de software livre. Um dos pontos que mais desperta polêmica é o fato da venda casada. Será que ela existe? Neste post, vamos discutir a legalidade do sistema sob a legislação nacional.



Para termos uma base de apoio, vamos utilizar a Licença do Mac OS X disponível nesta página da empresa. Apesar do nome do arquivo, a versão em Português encontra-se na página 25.

Em primeiro lugar, é sabido que o OS X é feito pela Apple é um produto originário dos Estados Unidos da América, e muitos de seus defensores utilizam este argumento para defendê-lo. No entanto, a Lei 8078 de 11 de Setembro de 1990, popularmente conhecida como Código de Defesa do Consumidor, deixa bem claro que todo produto comercializado em território nacional, mesmo de origem estrangeira, está sob seus efeitos, já em seu artigo terceiro:
Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Este artigo deixa bem claro: o fornecedor é quem fornece algo ao consumidor. Mesmo que alegue-se que a Apple, Inc. não possa ser responsabilizada, sabe-se que quem introduz os produtos da Maçã em nossa terra é a Apple Brasil que, se não desenvolve, importa os sistemas e computadores e, logo, é a responsável legal, perante a lei, pelos produtos da empresa.

O maior ponto polêmico que tange os defensores da Liberdade e os usuários da Maçã é a cláusula 2A da licença, a qual diz:
2. Uso Autorizado pela Licença e Restrições.
A. Uso Simples. Esta licença lhe permite instalar, usar e executar uma (1) cópia do Software Apple em um único computador da marca Apple por vez. Você concorda em não instalar, usar ou executar o Software Apple em computadores que não sejam da marca Apple ou permitir que outros o façam. Esta Licença não permite que o Software Apple exista simultaneamente em mais do que um computador, e você não pode tornar o Software Apple disponível em uma rede onde fosse utilizado por vários computadores ao mesmo tempo. Você pode fazer uma cópia do Software Apple (excluindo o código da ROM de Inicialização) e outro firmware da Apple que esteja incorporado ou todavia contido em um hardware da marca Apple) em formato de apenas-leitura somente com fins de segurança, desde que esta cópia de segurança contenha todos os avisos de direitos autorais ou outras notas sobre propriedade constantes no original. O código ROM de Inicialização da Apple e firmware são fornecidos apenas para uso em um hardware da marca Apple e você não pode copiar, modificar ou redistribuir o código ROM de Inicialização da Apple ou firmware ou qualquer parte dele.

O ponto principal aqui é: o usuário do Mac OS X apenas pode utilizar o sistema em um computador da marca Apple. Além disso, ela proíbe explicitamente o usuário de instalar ou usar o sistema em computadores que não sejam da Apple e, além disso, diz que o usuário deve impedir outros de fazê-lo. Ademais, a cláusula faz a clássica restrição dos programas proprietários de não usá-lo simultaneamente em mais de um equipamento.

As interpretações sobre esta parte são várias. Os defensores da empresa de Jobs comparam o sistema operacional ao motor de um carro, ou algo similar: dizem que o sistema foi desenvolvido especificamente para o Mac e, logo, não deve ser usado em outros micros, pois não foi projetado para tal.

Existem dois problemas nesta interpretação: primeiramente, até 2005, os Macs usavam uma arquitetura de processador diferente daquela adotada pela Intel e seus clones. Nisto, fazia sentido restringir a instalação, pois o sistema simplesmente não rodaria em um PC comum. Depois daquele ano, porém, a Apple passou a usar processadores Intel em suas máquinas e, logo, o OS X passou a ser compatível com a plataforma PC, ao menos teoricamente.

Outro ponto importante é que a Apple vende o OS X separadamente do Mac, e é aí que está a polêmica: por esta cláusula, se eu comprar o sistema, eu apenas poderei utilizá-lo em um computador da marca Apple; Logo, se eu usá-lo em qualquer micro que não seja da Apple, eu estarei violando a licença; Assim, se eu comprar uma caixinha do OS X, eu serei obrigado a comprar um computador da marca Apple para poder usá-lo legalmente. Este é o argumento da venda casada, que é sumariamente negado pelos macmaníacos, a partir de suas interpretações.

Deixando as interpretações de lado, a seção IV do Código de Defesa do Consumidor enumera uma lista de práticas consideradas abusivas. O inciso I do artigo 39 diz que:
Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

Se você está lembrado, o artigo 2º define quem é o fornecedor - e concluímos que o mesmo seria a Apple Brasil. Agora, esta cláusula da licença contradiz o nosso código de defesa do consumidor duas vezes: primeiro, ao condicionar a aquisição do OS X a de um computador da marca Apple para poder executá-lo e, segundo, sem justa causa, limitar a quantidade de cópias do sistema que o usuário pode executar simultaneamente.

Como se não bastasse isso, a cláusula 7 do famigerado sistema faz a conhecida exclusão de garantias, ao afirmar com todas as letras em maiúsculas:
7. Isenção de Garantias. VOCÊ RECONHECE E ACEITA EXPRESSAMENTE QUE O RISCO DECORRENTE DA UTILIZAÇÃO DO SOFTWARE APPLE É EXCLUSIVAMENTE SEU E QUE TODO O RISCO REFERENTE À QUALIDADE SATISFATÓRIA, DESEMPENHO, EXATIDÃO E ESFORÇO DEPENDE DE VOCÊ. COM EXCEÇÃO DA GARANTIA LIMITADA SOBRE O MEIO FÍSICO ESPECIFICADA ANTERIORMENTE E DA EXTENSÃO MÁXIMA PERMITIDA PELA LEI EM VIGOR, O SOFTWARE APPLE E QUAISQUER SERVIÇOS EXECUTADOS OU FORNECIDOS PELA APPLE SOFTWARE (SERVIÇOS) SÃO FORNECIDOS "NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA", COM TODAS AS FALHAS E SEM GARANTIA DE QUALQUER ESPÉCIE, (...)

Não é apenas a Apple que insere esta cláusula: a maioria dos programas proprietários também. Nos Estados Unidos, isso até pode ser válido, mas vamos ver o que diz o artigo 51, seção II, das cláusulas abusivas, da lei brasileira:
Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.

Assim, não existe desculpa: Steve Jobs pode até ser considerado um deus pelos seus adoradores, mas a licença do OS X é totalmente ilegal perante as leis brasileiras que a empresa dele, querendo ou não, deve obedecer.

É claro que muitos virão aqui dizendo que a GPL também faz exclusão de garantias, o que não é totalmente verdade, pois ela dá ao licenciante a possibilidade de ele próprio oferecer sua garantia, tanto de forma gratuita quanto paga.

Logo, quando você for a uma loja que esteja vendendo Macs, leve o Código de Defesa do Consumidor e diga que os clientes estão sendo enganados! Vamos colocar a Apple na justiça e fazer valer nossos direitos!

Viva o software livre, o único software ético por natureza!

O espaço abaixo está aberto a comentários, mas atenção: não xinguem.

ATUALIZAÇÃO: Um conhecido administrador de um famoso site sobre GNU/Linux no Brasil enviou-me este e-mail após eu sugerir a republicação desta matéria em sua página:
Prezado André Machado: Com relação à sua indicaçao de notícia "Por que o Mac OS X é ilegal" enviada recentemente ao [nome do site preservado], gostaria de registrar - na intenção de contribuir com o texto em questão - que aparentemente a sua conclusão não é que o produto Mac OS X é ilegal, mas sim que seus distribuidores cometem uma ilegalidade na sua forma de licenciamento, o que me parece uma distinção importante. Não aprecio quando vejo acusações generalizando questões relacionadas ao software livre, e não seria coerente apoiá-las quando são contra algum software proprietário.

À parte esta questão do título, gostaria ainda de sugerir que a sua conclusão de que "a licença do OS X é totalmente ilegal perante as leis brasileiras" não me parece estar sustentada pelos argumentos jurídicos expostos: me parece que a maior parte da citada licença se encontra amparada pelo nosso ordenamento jurídico, e existem exceções (que você apontou) que o Art. 56 do CDC não torna propriamente ilegais, mas sim "nulas de pleno direito".

Complementando, não me parece que as outras cláusulas mencionadas e que o CDC talvez também torne nulas (por limitar direitos dados pela lei) possam ser descritas, em um contexto jurídico, como venda casada. O CDC felizmente define claramente o que é venda casada, e você pode verificar facilmente que é possível ir a lojas de varejo presenciais e on-line e adquirir tantas cópias quanto se desejar do Mac OS X, sem ter de comprar junto nenhum hardware, nem comprovar a posse de algum hardware, e sem limites quantitativos - o que seriam os requisitos para caracterizar venda casada.

Note que não estou dizendo que aprecio as mencionadas cláusulas, nem que elas não são abusivas, mas apenas apontando que aparentemente elas não sustentam as conclusões específicas que você assumiu.

9 comentários:

  1. ótima analise.Nunca tinha reparado isto, a apple está violando os direitos do consumidor.Não usem isto, vamos parar de ficar mandando dinheiro pra esse bilionários, capitalistas e proprietários que só sabem explorar.
    USE SOFTWARE LIVRE!

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  2. Seu artigo é muito bom André, porém eu sei no fundo da minha alma, que as leis que você citou, infelizmente não serão cumpridas !

    Nosso país, é o detentor mundial de leis, não existe nenhum outro país com tantas leis como as nossas. Mesmo tendo tantas leis, as leis que serviriam para nós proteger, como as que você citou, servem apenas para criar uma falsa sensação de proteção.

    Não apoio como a Apple nós trata, ela simplesmente esmaga nossos direitos do consumidor, porém como podemos organizar um rebelião, se os brasileiros fazem o que for preciso para ter um brinquedinho da Apple em suas mãos!

    Poderíamos mostrar nossa indignação não comprando seus produtos, fazer manifestações contra seus atos abusivos e mostrar para Apple ou para quem for, que em nosso país o que vale são nossas regras.

    Assim como eu, você tem a mente aberta e consegue pensar por si só, poucas são as pessoas que conseguem esse feito.

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  3. Os argumentos dá lei são bem fundamentados, mas o pecado está no final do texto.

    "Logo, quando você for a uma loja que esteja vendendo Macs, leve o Código de Defesa do Consumidor e diga que os clientes estão sendo enganados!"

    Com todo respeito, mas isso é ridículo por vários aspectos:

    1) Se nós acreditamos no Software Livre isso não nos dá o direito de invadir um lugar e sair pregando coisas.

    É o típico vegetariano que dá um tapa no espetinho de carne do amigo. É o típico religioso que invade outra igreja e sai gritando besteiras e distribuindo panfletos. É o típico Richard Stallman xiita.

    2) Muitos clientes ali não estão sendo enganados. Na verdade, eles sabem muito bem o que querem. Usuário final não está nem aí se aquele software ali é proprietário, ou não. Ele quer que funcione.

    Acho que divulgar os problemas do OS X é extremamente válido. Mas daí a querer criar uma revolta e achar que os outros estão enganados só porque não concordam com sua visão são outros 500.

    Não seja xiita. Falando desse jeito você se mostra tão alienado quanto os fanboys da apple. A diferença é que estão em extremidades opostas.

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  4. "Nosso país, é o detentor mundial de leis, não existe nenhum outro país com tantas leis como as nossas. Mesmo tendo tantas leis, as leis que serviriam para nós proteger, como as que você citou, servem apenas para criar uma falsa sensação de proteção."

    Isso com certeza. Se fosse uma empresa de fundo de quintal que estivesse fazendo uma coisa dessas, a essa hora, certamente os produtos já teriam sido recolhidos, a empresa teria sido multada e o dono estaria atrás das grades. No entanto, como é a Apple, os órgãos competentes fingem que nada acontece.

    Não é de hoje, porém, que há reclamações nesse aspecto. Há alguns meses, alguns blogs de tecnologia noticiaram que as assistências técnicas da Apple desrespeitam o consumidor na hora de trocar ou consertar os aparelhos da empresa.

    É óbvio que eu não sairia em uma loja com o CDC gritando feito um louco, a última parte foi apenas uma breve metáfora (atchim!), mas eu acho válido que procuremos um advogado ou juiz que seja entusiasta do SL para que o mesmo entre com uma representação ou liminar no MP contra a referida empresa para ou anular a cláusula ou tirar os produtos de circulação. Sim, eu sei que não adiantaria nada, mas pelo menos íamos fazer barulho e mostrar que não somos tão passivos como eles pensam. Afinal, um computador cujo teclado não tem sequer a tecla ç não merece meu respeito.

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  5. Afinal, um computador cujo teclado não tem sequer a tecla ç não merece meu respeito.


    Eu ri... :D

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  6. Têm mais é que espalhar isso, pra acabar com essas corporações Illuminatis. Morte à Apple e à MicroSoft!

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  7. Não é considerado venda casada no caso da Apple/MacOS, pois a BIOS (EFI) do sistema é projetada diferente dos PCs.
    Portanto, quando o hardware somente funciona com um firmware específico (no caso, o boot do MacOS), simplesmente não é considerado venda casada, assim como o firmware de um celular.
    Vocês querem defender a liberdade às cegas, sem pensar na construção do sistema, que no caso dos Apples, são bem diferentes dos PCs. Leiam um pouco mais antes de sair em desabalada carreira falando beteiras...

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  8. Mesmo no caso de os Macs usarem EFI e os PCs BIOS, vemos vários vídeos no YouTube de pessoas que rodam o OS X em PCs normais seja através de imagens ISO modificadas ou de outros recursos. Assim, a barreira que impede a execução do OS X nos PCS é puramente técnica. [Respondeu o autor do artigo]

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  9. Desde que o disco do Mac OS X seja original, não há problema nenhum em instala-lo em um computador comum compativel. A Apple não proibe isso, só deixa o usuário sem suporte. Os termos de licença do Mac OS X para Intel, foram escritos em 2004, e nunca foram revisados. Ele foi escrito de acordo com a leí norte-americana, ou seja, só vale pra lá, ou países que se encaixem nos termos. Para nós brasileiros, não. Mais lembrando, o iAtkos, Kalyway ou outra distro, é considerada pirata. Então, se quer instalar ele legalmente, compra o cd Original e pega o CD de Boot do HMBT.

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